O principal argumento do governo é de
que a descoberta abre caminho para poços de alto potencial e risco
exploratório praticamente nulo - e que, por esse motivo, merecem ser
explorados sob novas regras, com maior participação do Estado.
Já o setor privado diz que a lei
atual é transparente e muito bem vista pelo mercado, e que mudá-la
pode afastar futuros investidores.
A proposta, que será apresentada
durante uma cerimônia para 3 mil convidados, ainda precisa ser
aprovada pelo Congresso.
Entenda a discussão sobre o marco
regulatório para o pré-sal.
O que motivou o governo a
defender regras diferenciadas para o pré-sal?
São dois os principais motivos
apresentados pelo governo Lula que justificariam a definição de um
novo marco regulatório para a exploração do petróleo da camada
pré-sal.
Um deles é que as empresas terão
acesso a reservas de alto potencial e com risco exploratório
praticamente nulo. A visão é de que, como os lucros serão maiores, é
justo que uma fatia maior desses recursos fique com a sociedade - ou
seja, com o governo.
Uma das propostas é depositar esses
recursos em um fundo para uso específico, que permita maiores
investimentos nas áreas social e de infraestrutura.
Além disso, o governo teme que o
aumento das exportações de petróleo gere uma enxurrada de dólares no
país.
A entrada da moeda estrangeira de
forma excessiva tende a valorizar a moeda nacional, prejudicando as
exportações em outros setores - fenômeno que os economistas chamam
de "doença holandesa".
Uma saída, nesse caso, seria não
gastar os recursos do petróleo, mas sim colocá-los em algum tipo de
aplicação financeira. Dessa forma, o governo poderia usar apenas os
rendimentos - poupando a maior parte do dinheiro para gerações
futuras.
A descoberta do pré-sal também trouxe
à tona a discussão, dentro do governo, sobre quem deve ter o
controle de uma matéria-prima considerada estratégica: se a
sociedade (Estado) ou as empresas.
Durante um discurso no ano passado, o
presidente Lula disse que, com o pré-sal, "Deus está dando uma nova
chance ao Brasil" e que o país precisa decidir se esse lucro vai
ficar com as empresas ou se será usado para fazer "reparações
históricas".
"Esse patrimônio é da União, de 190
milhões de brasileiros. Precisamos utilizá-lo para fazer reparação
aos pobres deste país", disse o presidente.
As justificativas do
governo têm sido criticadas? Por quê?
Sim. Representantes do setor privado,
assim como partidos da oposição e grande parte dos especialistas
questionam o conceito de "risco zero" que o governo aplica ao
pré-sal.
O principal argumento do governo para
aumentar sua participação nesse mercado é de que o pré-sal vai
proporcionar uma espécie de resultado garantido às empresas.
Os críticos dizem, no entanto, que
não é possível afirmar que o risco de exploração seja nulo.
"Pode ser que o governo tenha alguma
informação privilegiada. Mas o fato é que risco zero na exploração
petrolífera seria um caso único", diz o professor Edmilson Moutinho
dos Santos, do Instituto de Engenharia da Universidade de São Paulo
(USP).
Como é a lei do petróleo
aplicada atualmente no país?
As regras de exploração e produção de
petróleo no país foram definidas pela Lei 9.478, de 1997, que
quebrou o monopólio da Petrobras, permitindo a entrada de
competidores estrangeiros no mercado brasileiro.
Desde então, o regime adotado no país
passou a ser o da "concessão": ou seja, o setor privado adquire o
direito de explorar determinada área, mediante uma série de
pagamentos ao poder público, como bônus, royalties e participações
especiais.
No ano passado, esses recursos
somaram cerca de R$ 22 bilhões. De acordo com a legislação, cerca de
60% desse dinheiro vai para a União e os 40% restantes para Estados
e municípios onde o petróleo é explorado.
Os especialistas dizem que a lei
brasileira é "bem respeitada" internacionalmente por sua
transparência e que a competição ajudou o país a se modernizar. A
participação da indústria do petróleo no PIB, que era de 3% na
década de 90, hoje é de 12%.
O modelo de concessão é comum entre
os países mais desenvolvidos, como Estados Unidos, Noruega, Canadá,
Grã-Bretanha e Austrália.
Quais são as
características do modelo de marco regulatório que será apresentado
pelo governo?
Os detalhes serão conhecidos
oficialmente nesta segunda-feira, mas representantes do governo vêm
adiantando alguns pontos nos últimos meses.
Tudo indica que o Palácio do Planalto
escolheu o modelo da partilha, no qual o Estado se torna sócio das
empresas no empreendimento. Ou seja, parte ou até mesmo a totalidade
do petróleo fica nas mãos do governo, enquanto as empresas são
remuneradas pelo serviço de exploração, além de receberem parte do
lucro.
Além de ampliar os ganhos do governo
no processo, o regime da partilha traria ainda solução para um outro
problema: existe a possibilidade de que os poços estejam de alguma
forma interligados - e no regime de concessão, uma empresa poderia
acabar "invadindo" o espaço da outra.
Para administrar suas reservas, o
governo vai sugerir ao Congresso a criação de uma nova estatal do
petróleo, que diferentemente da Petrobras, terá apenas o governo
como sócio.
Nesse modelo, ganha a licitação a
empresa que oferecer a maior parcela de petróleo ao Estado. A
partilha é adotada principalmente na África (Líbia, Egito, Nigéria,
por exemplo) e na Ásia (China e Índia).
Além disso, pela proposta brasileira,
está previsto que a Petrobras tenha participação mínima garantida em
cada consórcio vencedor.
O ministro das Minas e Energia,
Edison Lobão, disse que essa participação deverá ser de 30% da
composição acionária.
O diretor do Centro Brasileiro de
Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, diz que o modelo de partilha
proposto pelo governo brasileiro é "diferente" do modelo
tradicionalmente conhecido - e que por isso é difícil prever como o
mercado vai reagir às mudanças.
"No nosso caso, o governo terá a
participação direta, por meio da partilha e também indireta, pois a
Petrobras, uma empresa (estatal) estará operando todos os poços do
pré-sal. É um modelo desconhecido", diz Pires.
Quais são as principais
críticas ao modelo de partilha?
Um dos principais argumentos é de que
a maior ingerência do governo na exploração e produção de petróleo
tende a tornar o mercado menos eficiente.
Nesse contexto, é comum que as
decisões sejam tomadas com objetivos políticos, em detrimento de
aspectos técnicos e mercadológicos.
Além disso, os críticos à proposta do
presidente Lula dizem que a legislação em vigor permite que o
governo amplie seus ganhos com a exploração do petróleo, sem que
para isso tenha de criar uma nova estatal.
"O governo poderia ampliar a
participação a que tem direito sobre a receita das empresas, por
decreto mesmo", diz Wagner Victer, ex-secretário de Energia do
Estado do Rio de Janeiro.
Segundo ele, a ideia do governo de
criar um fundo social é "legítima", mas que não é preciso mexer na
lei do petróleo para isso.
"Bastaria o governo aumentar a
alíquota cobrada das empresas e com esse 'plus', captar o fundo",
diz.
Na avaliação de Victer, a crítica
quanto à proposta do governo não é tanto quanto ao conteúdo, mas sim
quanto ao fato de representar "uma ruptura com um modelo que está
dando certo".
"Marcos regulatórios precisam de
perenidade. Diante de mudanças e indefinições, o investidor pode
optar por outro país. O pré-sal não existe apenas no Brasil", diz.
Quais as implicações
políticas da mudança sugerida pelo governo?
No regime da partilha, defendido pelo
governo, a participação do Estado na indústria do petróleo é
significativamente maior do que no regime de concessão atualmente
adotado.
A equipe do governo Lula diz que a
medida é essencial para garantir que as riquezas geradas por essa
indústria fiquem no país - e que sejam ainda maiores, suficientes
para financiar grandes investimentos.
Grande parte dos especialistas, no
entanto, argumenta que a ingerência do Estado nesse mercado pode
gerar corrupção e uso das riquezas para fins eleitorais.
No caso específico do presidente
Lula, existe a crítica de que o pré-sal esteja sendo usado como uma
das bandeiras para a eleição da ministra da Casa Civil, Dilma
Rousseff.
O diretor da CBIE, Adriano Pires, diz
que a mistura de petróleo com política costuma gerar "desconfianças"
e "casos reais de mau uso da riqueza".
"A mistura de política com petróleo
não tem nos dado exemplos positivos ao longo da história", diz
Pires.
Ele cita como exemplo países do norte
da África e do Oriente Médio, que apesar de ricos em petróleo, não
conseguiram distribuir essa riqueza a toda população.
"É o que se chama de maldição do
petróleo. A riqueza está lá, mas não há desenvolvimento econômico
com distribuição de renda", diz.
Com o anúncio da
proposta, qual o próximo passo?
O presidente Lula deve enviar os
projetos de lei ao Congresso já na terça-feira, em caráter de
urgência. Com isso, as matérias têm até 90 dias para serem
analisadas e aprovadas - sendo 45 dias na Câmara e 45 dias no
Senado.
Os dois principais partidos da
oposição (DEM e PSDB) vêm criticando não apenas o conteúdo das
propostas, como também a forma com que estão sendo apresentadas,
"apressando" uma decisão do Legislativo.
O vice-líder dos Democratas, deputado
José Carlos Aleluia (BA) disse que o clima na Câmara para discussão
da matéria "não será amistoso".
Muitos deputados oposicionistas
questionam por que o presidente convidou 3 mil pessoas para anunciar
algo que ainda é um projeto de lei, ou seja, que precisa ser
aprovado pelo Congresso.
Um outro importante obstáculo à
proposta do presidente Lula são os deputados e senadores ligados aos
Estados e municípios produtores de petróleo. Pela proposta do
governo, ambos perderiam receitas com royalties.