Eu poderia citar inúmeros exemplos
disso. Stevie Wonder e Ray Charles ficaram cegos precocemente e se
tornaram lendas. Também, não é para menos, já que ambos eram gênios
e o público não teve outra opção a não ser se render aos talentos
dos dois - de minha parte, não dou nem "bom dia" para quem diz não
gostar de Wonder e Charles. Muitos astros da atualidade não tinham
grana nem para comprar um sanduíche no início de suas carreiras - de
Bruce Springsteen aos Ramones - e outros tiveram que ralar muito
para vencer o preconceito contra a falta de beleza - de Geddy Lee a
Elvis Costello e o pessoal do The Pogues.
Pois é justamente aí que entra o mais
recente fenômeno mundial da internet. Nesta altura do campeonato, só
não conhece Susan Boyle quem andou morando em Urano nos últimos três
anos. Pois bem, ela acabou de lançar seu primeiro disco, I
Dreamed a Dream, e segundo consta, ela vendeu três milhões de
cópias em apenas três semanas. Sim, é isso mesmo: em plena crise
fonográfica que está levando todas as gravadoras "majors"
para o túmulo, ela conseguiu algo que parecia impossível.
É óbvio que todas essas pessoas que
compraram o disco de Boyle o fizeram porque ficaram emocionadas com
a "história do patinho feio que virou cisne", aquele blá blá blá
todo... E também porque as pessoas querem mostrar umas às outras que
estão "antenadas com o que anda acontecendo no meio musical" ao
adquirir o disco de uma dona de casa sem qualquer experiência
musical que se transformou em uma grande estrela. Só tem um problema
nisso tudo: a história de Susan Boyle é uma FARSA! Sim, é exatamente
isso o que você acabou de ler...
Explico: a cantora surgiu no programa
Britain's Got Talent deste ano e, ao entrar ao palco,
certamente foi alvo de piadas entre o público, mas não entre os
jurados e a produção do programa, como a mídia apregoou na época.
Por quê? Porque tantos os jurados como a produção sabiam que Boyle
já era uma cantora semiprofissional!
E outra: ela foi apresentada como uma
simples dona de casa com um visual desleixado. Não só Boyle já tinha
experiência suficiente para se apresentar em pubs no vilarejo
onde ela morava - em Blackburn, West Lothian, onde era conhecida por
suas apresentações bem comentadas na região -, como ela foi "enfeiada"
de propósito, justamente para causar nas pessoas da plateia e nos
telespectadores o espanto e a emoção que se viu posteriormente. Como
jogada de marketing, foi genial. Como "fenômeno de espontaneidade",
uma farsa como há muito não se via.
Não acredita? Então
veja aqui e ouça algumas das gravações que Boyle fez antes de
aparecer no programa, cantando "Killing me Softly" (de Roberta
Flack) e o standard "Cry Me a River", etrenizado pela
maravilhosa Julie London, gravações estas que foram enviadas a
inúmeras gravadoras inglesas e até mesmo a programas de TV e rádio -
ela chegou até mesmo a fazer uma audição para um programa de
caça-talentos, "My Kind of People", conduzido por Michael Barrymore,
tendo sido então rejeitada.
E tem mais: desde que surgiu no
programa, ela tem arrancado elogios de Simon Cowell, o exigente
jurado dos programas American Idol e do próprio Britain's
Got Talent, que sempre parabeniza Boyle por cada um dos seus
feitos, seja por cantar para a Rainha da Inglaterra ou pela incrível
vendagem de discos, dizendo que se sente orgulhoso por ela e tudo o
mais. O que pouca gente sabe é o nome do empresário de Boyle.
Adivinhou? Não? Pois eu lhe digo: ele se chama... Simon Cowell!
Muito "espontâneo", não?
Quanto ao disco I Dreamed a Dream,
ele foi feito para agradar a quem adora cantoras do tipo Sarah
Brightman e Enya. O tratamento burocrático dado a "Wild Horses", dos
Rolling Stones (ouça
aqui) já dá a pista do que vamos ouvir a seguir: uma sucessão de
"temas bonitos", que nos "levam a sonhar com um mundo melhor" e
baboseiras do tipo. E tome altas doses de sacarose em breguices como
"How Great Thou Art" (ouça
aqui), "Amazing Grace" (ouça
aqui) e a inacreditável "Silent Night" (conhecida aqui no Brasil
como a natalina "Noite Feliz").
Volto a repetir: a história de Susan
Boyle é uma grande farsa e seus discos posteriores (se é que outros
serão lançados) estão condenados às prateleiras dos saldões e
liquidações de supermercados. Podem cobrar de mim tais palavras em
um futuro não muito distante...