Gravidez fora do
útero tem sucesso
Tinha tudo para dar errado. Por
algum motivo desconhecido, o óvulo fecundado, que normalmente é
levado pelos cílios da tuba uterina até o útero, tomou o caminho
contrário e se instalou na cavidade abdominal, perto do intestino.
A placenta, que em geral se adere à
parede interna do útero para obter nutrientes que alimentam o bebê,
ficou do lado de fora e poderia ter deixado o feto sem nutrição ou
se descolado a qualquer momento, gerando uma hemorragia fatal para
mãe e filho.
E a escassez de líquido amniótico
(causada pelo funcionamento incompleto da placenta), em geral, deixa
a criança sem espaço para se desenvolver e leva a más-formações de
membros e órgãos.
Foi assim, contrariando uma sucessão
de prováveis fracassos, que a gravidez da dona de casa Izabel
Aparecida Rodrigues, 32, vingou. A placenta encontrou um jeito de
nutrir o feto, expandindo-se mais do que o normal em busca de vasos
sanguíneos por fora do útero. Durante a gestação, o órgão sofreu
pequenos descolamentos que geraram hemorragias, mas elas puderam ser
controladas com transfusões.
Izabel sentiu muita dor e teve que
ser internada para receber sangue e repousar quase todo mês. Mas a
barriga foi crescendo -inclinada para a esquerda, é verdade- e, no
dia 12 de fevereiro deste ano, na 36ª semana de gestação, nasceu o
bebê, uma menina de 2,2 quilos, chorando e saudável.
Natural de Cachoeiro do Itapemirim
(ES) e mãe de mais três filhos, de 14, dez e nove anos, Izabel
procurou um médico aos dois meses de gestação, queixando-se de dor e
sangramento. As duas notícias, sobre a gravidez e o local inusitado
onde o feto havia se instalado, vieram juntas.
"Fiz um ultrassom e vi que o bebê
estava fora do útero. Pensei que poderia estar dentro da trompa, mas
não parecia. Pedi que outro médico olhasse, fizemos uma ressonância
magnética e confirmamos a gravidez abdominal", conta seu obstetra,
Roberto Bastos, da Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro do
Itapemirim.
A reação, segundo Izabel, foi um
misto de alegria e tristeza. Ela tinha o direito de abortar, pois
estava com a vida em risco. Mas, quando perguntou ao obstetra se
havia chance de a gestação ir adiante e ele disse que sim, apesar de
remota, ela preferiu confiar. "Decidi deixar ir para a frente.
Confiava sempre em Deus e no médico", diz.
A gravidez era acompanhada com
ultrassom no mínimo a cada 15 dias associado a um doppler, que
mostrava se a circulação da placenta estava funcionando. Todo mês, a
dona de casa ficava internada por cerca de uma semana para receber
sangue e repousar. Acabou tendo que abandonar um emprego que tinha
conseguido dois meses antes, como doméstica.
O marido e amigos, ao vê-la passando
tanto mal, chegaram a sugerir que ela abortasse, mas Izabel diz que
essa hipótese não passou por sua cabeça.
Quando completou 36 semanas, o médico
decidiu fazer uma cesárea, pois temia que a falta de líquido
amniótico causasse sequelas. A incisão, geralmente transversal e
acima do púbis, foi longitudinal e do lado esquerdo do umbigo.
"Tivemos que descobrir o melhor local para tirar o bebê. Nossa
preocupação era que o intestino estivesse na frente, pois não
queríamos mexer nele", diz Bastos.
A placenta, que nos partos vaginais é
expelida e nas cesáreas é retirada pelo médico, teve que ficar -e
está até hoje no organismo de Izabel. "Como a placenta dela ficou
ligada a vasos importantes, não podemos tirá-la sob o risco de
causar hemorragia. É preciso esperar que ela seja reabsorvida
naturalmente", diz Bastos, que acredita que o processo demorará dois
ou três meses.
"Me senti muito feliz quando ouvi o
choro. Foi nessa hora que fiquei sabendo que era uma menina", lembra
Izabel. Ela não teve dúvidas: chamou a filha de Maria Vitória.
A recém-nascida foi levada para a UTI
neonatal porque teve uma ligeira dificuldade respiratória, típica de
prematuros. Mas, cinco dias depois, mãe e filha tiveram alta.
Segundo Izabel, Maria Vitória é agitada, mas não dá muito trabalho.
"Ela é espertinha e vive virando na cama e se mexendo, mas não é de
chorar muito, não."
Caso raríssimo
A gravidez abdominal é muito rara.
Segundo estudos, sua incidência varia de 1 para cada 10 mil a 1 para
cada 64 mil partos. Mesmo entre as gestações ectópicas (fora do
útero), trata-se de um caso incomum, pois, quase sempre, o embrião
se instala na tuba, onde não se desenvolve por falta de espaço.
Mais raro ainda é esse tipo de
gravidez ir adiante. A chance de sobrevivência neonatal é de no
máximo 20%. "A gente estuda na faculdade que isso pode acontecer,
mas eu estou formado há 22 anos e nunca tinha visto", conta Bastos.
O médico procurou referências na
literatura científica e só encontrou um artigo no Brasil que
reportasse uma gestação abdominal em que o bebê nasceu vivo, em
1999, em Recife (PE). O texto cita outros dois casos relatados em
Fortaleza (CE) e em João Pessoa (PB). Bastos, agora, escreve um
artigo sobre o caso de Izabel.
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Fonte:
folha.uol.com.br
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