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Brasil: 'O país do futuro'

 

Brasil: 'O país do futuro'

Não faz muito tempo, imaginar o Brasil escapando quase ileso de uma avassaladora crise global, e ainda por cima emprestando dinheiro ao FMI (Fundo Monetário Internacional), poderia soar como devaneio - e quem apostaria no país como iminente exportador de petróleo?

Ver a diplomacia brasileira dar de frente com os nações mais desenvolvidas, mediar tensões e bater forte na porta da sala das grandes potências, pedindo um espaço, seria ufanismo. Cravar "Rio de Janeiro" como sede de Olimpíada, então - e com direito a Copa do Mundo dois anos antes -, quase uma chacota. O amanhã, no entanto, parece estar chegando àquele que era, até outro dia, o eterno "país do futuro".

Não faltam justificativas para um "otimismo exuberante", como diz o Financial Times, que nesta quinta-feira publica caderno especial sobre investir no Brasil. No enunciado da primeira página, "Louvor olímpico põe selo no progresso". Mas nunca é demais lembrar que o país ainda tem o desafio enorme de superar uma dura realidade de vergonhosa desigualdade social e crescente violência

Consolidado como líder regional, o Brasil quer se sentar na mesma mesa em que as grandes decisões são tomadas. Leva na pasta ousadia, capacidade de integração e a credencial de um país que tem sabido aproveitar a diversidade cultural, os vastos recursos naturais, a capacidade da indústria e o potencial de consumo de uma população que já sente alguns benefícios desta guinada.

Desde 2003, segundo o IBGE, mais de 19 milhões de brasileiros saíram da condição de miséria. Ajudaram a comprar, a manter o mercado interno aquecido, foram decisivos para fazer a crise mundial parecer uma quase "marolinha" no Brasil, como chegou a desdenhar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A mais recente taxa de desemprego divulgada pelo IBGE, referente a setembro, anda bem perto do menor índice histórico, de 7,4%.

"O Brasil leva boas vantagens em relação aos demais países em desenvolvimento", avalia o professor de Economia do Ibmec Rio Ruy Quintans, referindo-se ao bloco chamado de Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). "É amistoso, aliado natural dos EUA, não tem o caráter belicoso da Rússia. Também não tem os problemas de demanda interna da Índia, que, apesar da grande população, tem muita pobreza e restrições quanto a religião. E é um regime democrático, ao contrário da China, totalitária, por isso sujeita a instabilidades."

Lá fora, quem tem dinheiro enxerga aqui oportunidades e redireciona os investimentos. Menos de dois meses atrás, a agência de classificação de riscos financeiros Moody's concedeu ao país o chamado "grau de investimento", algo como um aval sobre a confiabilidade dos papéis brasileiros - o que outra agência, a Standard & Poor's, já tinha feito, em abril do ano passado.

Desde o auge da turbulência, o índice Ibovespa, o principal da Bolsa de Valores de São Paulo, acumula valorização de 120%. Uma das melhores performances em todo o mundo, um "momento espetacular", na opinião do professor de Finanças da Fundação Getúlio Vargas, Ricardo Araújo: "O que mais chama a atenção do investidor é o potencial muito rico das empresas brasileiras, elas são hoje muito competitivas no mercado internacional. Além disso, o país tem um mercado financeiro sólido, um grande potencial de crédito e uma demanda de consumo interno muito forte".

Combinando a exploração do mercado interno e a diversificação dos parceiros externos, o Brasil fortaleceu sua moeda e multiplicou as reservas internacionais de US$ 36 bilhões em 2002 para US$ 233 bilhões no mês passado. No mesmo período, dobrou o volume de importações e exportações. Dobrou também, em valores brutos em reais, a riqueza produzida entre 2002 e 2008. Com US$ 10 bilhões comprou bônus do FMI. Virou credor do "algoz" de até outro dia.

Antes, acusou os Estados Unidos de subsidiar ilegalmente a produção de algodão do país, e venceu a disputa na OMC (Organização Mundial do Comércio) - a mesma entidade onde o Brasil encampa a briga por menos protecionismo dos países ricos, na chamada Rodada Doha. Em tempos de necessidade de renovação das matrizes energéticas, desenvolveu e saiu para vender o etanol à base de cana-de-açúcar. Mais tarde, descobriu gigantescas reservas de petróleo e gás no mar a mais de 7 mil metros de profundidade, a camada pré-sal. Tal força econômica vai se convertendo em dividendos políticos lá fora, o que gera mais oportunidades.

'Cidadania internacional'

Vêm aí Copa do Mundo e Olimpíada, investimentos inicialmente previstos em US$ 5 bilhões e R$ 28 bilhões, respectivamente. "O Brasil conquistou a cidadania internacional. Quebramos o último preconceito. Saímos do patamar de segunda classe para primeira", definiu o presidente Lula depois do anúncio do Rio de Janeiro como sede dos Jogos. A auto-estima do brasileiro nunca esteve tão em alta.

O próprio carisma do presidente é fator preponderante neste sucesso internacional. Só em 2009 ele já foi homenageado pela Unesco, em função das "ações pela paz e justiça social"; e, nesta semana, pela Chatham House, sede do respeitado Royal Institute for International Affairs, do Reino Unido, pela "atuação em políticas social e econômica". "É o cara", nas palavras do homem mais poderoso do mundo, o presidente Barack Obama. Tem canal aberto com o norte-americano do mesmo modo como tem com o venezuelano Hugo Chavez ou o iraniano Mahmoud Ahmadinejad.

"A diplomacia brasileira tem hoje grande credibilidade internacional", analisa o professor de Relações Internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Williams Gonçalves. "O país busca estabilidade, novas alianças, entendimento, diálogo. Não é uma agenda 'do contra', mas mesmo assim não aceita a ordem internacional e põe os interesses nacionais em primeiro lugar."

Em política externa, Lula conta com Celso Amorim, "o melhor ministro de Relações Exteriores do mundo" na definição da revista Foreign Policy, o influente braço de assuntos internacionais do Washington Post, quinto diário mais lido nos Estados Unidos. É Amorim o cérebro por trás da liderança brasileira na missão da ONU para a estabilização do Haiti e mesmo no apoio ao presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya. O grande objetivo: a conquista de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Dona de uma das cinco cadeiras, a França já se posicionou ao lado do Brasil como representante legítimo do mundo em desenvolvimento - simultaneamente, negocia a venda de caças ao governo brasileiro. Hoje credor do FMI e aliado estratégico de nações ricas, consideradas "vilãs" daquele eterno "país do futuro", o Brasil inverte o passado para superá-lo.

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