"Primeiro, eu fico feliz que o
ministro do Irã tenha percebido que eu sou um homem emocional. Eu
sou muito emocional. Segundo, eu não fiz um pedido formal [de asilo
à iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani]. Eu fiz um pedido mais
humanitário", disse Lula durante a cúpula do Mercosul, na cidade
argentina de San Juan.
O governo do Irã indicou nesta
terça-feira que rejeitará a proposta do presidente brasileiro Luiz
Inácio Lula da Silva de conceder asilo político à Sakineh Mohammadi
Ashtiani, 43, condenada à morte por adultério e suposto envolvimento
na morte do marido, sugerindo ainda que o líder brasileiro é emotivo
e desinformado.
A República Islâmica suspendeu a
sentença por apedrejamento ainda na semana passada, mas Ashtiani
ainda pode ser executada por enforcamento.
"Até onde sabemos, [Luiz Inácio Lula]
da Silva é uma pessoa muito humana e emotiva que provavelmente não
recebeu informações suficientes sobre o caso", disse o porta-voz da
chancelaria iraniana, Ramin Mehmanparast.
Informações adicionais serão
providenciadas para o presidente para esclarecer a situação sobre
"uma pessoa que é uma criminosa condenada", o porta-voz acrescentou.
"Pelo que se fala na imprensa, ou ela
vai morrer apedrejada ou enforcada. Ou seja, nenhuma das duas mortes
é humanamente aceitável. Por isso fiz esse apelo. Obviamente, se
houver disposição do Irã em conversar sobre esse assunto, nós
teremos imenso prazer em conversar e, se for o caso, trazer essa
mulher para o Brasil", disse Lula hoje.
"Sobre a questão de direitos humanos
no Irã, eu não conheço profundamente como funciona o Irã, o que sei
é que cada país tem a sua lei, tem a sua Constituição, tem a sua
religião. E nós precisamos, concordando ou não, aprender a respeitar
o procedimento de cada país. Acho que, se nós, aprendêssemos a
respeitar a soberania de cada país, seria muito melhor."
DEMORA
De acordo com a apuração de Marcelo
Ninio, correspondente da Folha de S.Paulo em Jerusalém, Lula foi
alvo de críticas dos ativistas que atuam na campanha em defesa à
mulher iraniana condenada à morte, para os quais a atuação do
presidente brasileiro foi demorada.
A iraniana Mina Ahadi, diretora da
ONG que coordena a campanha em favor de Sakineh, disse que o apoio
de Lula é importante, mas demorou. "Lula se diz próximo do
presidente [do Irã] Mahmoud Ahmadinejad, a quem chama de irmão, mas
jamais falou das violações de direitos humanos", disse, da Alemanha,
onde vive exilada.
As críticas de Lula à pena de morte
no Irã e a oferta de abrigar Sakineh no Brasil significaram uma
reviravolta na posição do presidente. Dias antes, ele havia se
negado a aderir à campanha pela libertação, dizendo ser
"avacalhação" interferir em assuntos legais de outros países.
No domingo, o jornal britânico "Guardian"
noticiou que Sajjad, filho de Sakineh, recebeu um telefonema de
autoridades iranianas pouco após o discurso de Lula. Segundo Sajjad,
em tom ameno, indicaram que o caso da sua mãe seria tratado nesta
semana.
Na Argentina, o chanceler Celso
Amorim disse ainda na segunda-feira ter pedido há duas semanas ao
seu homólogo iraniano, Manouchehr Mottaki, que o país persa
perdoasse Sakineh.
"Ele ouviu com atenção, não posso
dizer que tenha concordado ou não. Em outras vezes que fiz a mesma
coisa, houve resultados." Em Washington, o porta-voz do Departamento
de Estado, Philip Crowley, respaldou a ação brasileira e disse
esperar que o Irã "a escute".
APELO
A declaração do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva de oferecer asilo à iraniana condenada à morte
por apedrejamento fez o governo do Irã baixar o tom no contato com a
família da acusada. Levou também esperança ao filho de Sakineh
Ashtiani, que acredita que a influência de Brasil e Turquia pode
ajudar a salvar a vida de sua mãe.
Lula disse no sábado (31), em
Curitiba (PR), que vai pedir ao líder do Irã, Mahmoud Ahmadinejad,
que envie a iraniana ao Brasil, onde poderá receber asilo. "Se vale
a minha amizade com o presidente do Irã e se ela [a mulher
condenada] estiver causando incômodo lá, nós a receberemos no Brasil
de bom grado", disse Lula, acrescentando que iria telefonar para o
iraniano e conversar sobre o assunto.
Logo após a declaração de Lula,
autoridades ligaram para Sajad e disseram que o caso de sua mãe
seria analisado esta semana, informa o "Guardian". "O tom deles foi
mais educado que antes", disse Sajad.
FIM DO SILÊNCIO
A declaração de Lula sobre o caso
também pôs fim ao silêncio da imprensa iraniana sobre o caso.
"Após o comentário do presidente
Lula, pela primeira vez agências [de notícias] no Irã divulgaram o
caso de apedrejamento de minha mãe, o que mostra como o Brasil é
importante para o Irã", disse o filho de Ashtiani.
A agência semioficial Fars divulgou a
proposta de Lula e falou sobre a sentença a morte por apedrejamento
por causa de adultério --normalmente, a agência censura a palavra
apedrejamento.
Já a Jahan News, serviço de notícias
ultraconservador e próximo à Guarda Revolucionária Iraniana, reagiu
com tom crítico neste domingo, acusando o presidente brasileiro de
estar "sob a influência da propaganda ocidental" e de tentar "uma
clara interferência nos assuntos internos do Irã", informa o jornal
americano "The New York Times".
A Jahan News também afirmou que
Ashtiani pode não ser apedrejada até a morte, já que seu caso está
sendo revisto pela corte, e que ela poderia ser enforcada.
Não houve nenhum comentário oficial
do governo iraniano até o momento sobre a oferta brasileira.
ENTENDA O CASO
Mãe de dois filhos, Ashtiani recebeu
99 chicotadas após ter sido considerada culpada, em maio de 2006, de
ter uma "relação ilícita" com dois homens. Depois, foi declarada
culpada de "adultério estando casada", crime que sempre negou, e
condenada a morte por apedrejamento.
O anúncio de que a aplicação da pena
poderia ser iminente despertou uma grande mobilização internacional,
e países como França, Reino Unido, EUA e Chile expressaram suas
críticas à decisão de Teerã. O governo islâmico disse então que
suspenderia a pena, até segunda ordem.
LULA SOB PRESSÃO
A declaração de Lula atende o
movimento mundial que luta para salvar a vida da iraniana e livrá-la
do apedrejamento. No Brasil, internautas criaram a campanha "Liga
Lula" numa tentativa de sensibilizar o presidente brasileiro a
exortar o líder iraniano a libertar Ashtiani.
O presidente brasileiro foi criticado
ao chamar as tentativas de "avacalhação". "Um presidente da
República não pode ficar na internet atendendo todo o pedido que
alguém pede de outro país (...) É preciso tomar muito cuidado porque
as pessoas têm leis, as pessoas têm regras. Se começarem a
desobedecer as leis deles para atender o pedido de presidentes daqui
a pouco vira uma avacalhação",
CAMPANHA
Um abaixo-assinado aberto há cerca de
um mês na internet deu impulso mundial à campanha pela libertação da
iraniana.
O documento conta com mais de 114 mil
assinaturas, a maioria sem valor real, como pessoas identificadas
apenas pelo primeiro nome, manifestações políticas como "E agora
Lula?" e piadas como "Pica Pau".
A lista, contudo, tem também
assinaturas verídicas de célebres brasileiros --Fernando Henrique
Cardoso, Chico Buarque e Caetano Veloso.
Farshad Hoseini, diretor do Comitê
Internacional contra Lapidação e autor do documento, explica que a
ideia é que a pressão internacional chegue ao governo iraniano.