"O trabalho (submetido à Conep em
2002) foi devolvido por falta de documentos e não foi reapresentado,
então concluímos que teriam desistido", disse a presidente da Conep,
Gyselle Tannous. Mas, no ano passado, após apuração do Departamento
de Auditoria do SUS (Denasus) e questionamentos do Ministério
Público Federal, a comissão descobriu que o estudo havia continuado,
sem aval. As apurações revelaram que o trabalho da Abbott envolvia
dez centros no País, entre eles o Hospital Universitário Graffree
Guinle, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio),
onde foi verificada in loco a irregularidade.
O Kaletra é uma droga de primeira
linha, utilizada como opção inicial. Em 2005, a Conep já havia
suspendido outro estudo da Abbott com o medicamento, alegando que a
empresa também não o teria submetido à avaliação.
Naquele mesmo ano de 2005, o Denasus
saiu a campo para apurar in loco denúncia anônima de que ocorria no
hospital Graffree Guinle um estudo clínico clandestino, que não
visava a acrescentar conhecimento científico, mas apenas estimular o
uso de uma nova droga e garantir boa remuneração aos médicos
participantes. Um médico do local confirmou ao Denasus a existência
do estudo e disse que a unidade teria recebido R$ 163,5 mil para
executá-lo, via uma associação. O profissional disse também que não
teria contrato formal e que o trabalho não previa que a farmacêutica
fornecesse remédios. Até a data da auditoria, 152 pacientes tinham
sido incluídos na pesquisa do hospital.
A equipe de auditoria do SUS, que
classificou a denúncia como "procedente", apontou que os gastos do
Ministério da Saúde com o fornecimento da droga ao hospital
aumentaram ao longo do estudo, saltando de R$ 78,12 mil para R$ 1
milhão em 2005. E encaminhou, em 2007, questionamentos ao
departamento de aids e hepatites do ministério. A área de aids,
apesar de classificar a evolução de gastos com o remédio como normal
- alegando que o Kaletra substituiu outras drogas como escolha
inicial do tratamento -, criticou o uso de remédios comprados pelo
SUS. Naquela época, o departamento de aids considerava que o
trabalho havia sido aprovado pela Conep.
O caso seguiu então do Denasus para o
Ministério Público Federal, que no ano passado resolveu verificar se
a pesquisa era regular e consultou a Conep. Questionada, a comissão
revelou então que o trabalho não tinha aval. "Estamos avaliando as
providências cabíveis", disse o procurador Daniel Prazeres. Já a
Conep pretende fazer uma inspeção do comitê de ética do hospital.
"Queremos saber como ele se comportou", afirma a presidente da Conep.