Assim elas fizeram. Ouviram médicos,
psicólogos, mulheres que haviam passado por situações semelhantes,
gays que sempre se assumiram e outros que haviam se assumido
recentemente. Até promoters de boates gays e professores de educação
física entraram na extensa lista de entrevistas realizadas com o
intuito de coletar material suficiente para desenvolver o livro "Cuidado,
Seu Príncipe Pode Ser Uma Cinderela", que as autoras chamam
de "um guia prático".
"Percebemos que a maioria dos enrustidos teme ser discriminada. Eles
têm muita vergonha de se mostrar para a família, para os amigos e
colegas de trabalho. Na verdade, percebemos que, por mais que nossa
sociedade pareça liberal, ela é muito cruel com os homossexuais",
afirmou Ticiana. Segundo a autora, é mais fácil a sociedade aceitar
a "bicha caricata e espetaculosa" do que o homem que assume suas
preferências, mas não fica dando bandeira da sua condição. "Esse
sofre mais porque quer levar uma vida normal, ser um bom
profissional e viver abertamente com seu companheiro".
Rejeição familiar
De acordo com a psicóloga Adriana
Nunan, especialista em comportamento sexual, 70% a 80% das famílias
rejeitam inicialmente os filhos que se assumem gays. "Depois de um
tempo, algumas famílias acabam aceitando a
opção sexual dos filhos,
mas ainda assim falam 'ele é meu filho, mas é gay', como se fosse um
problema, um defeito", afirma a especialista.
Adriana conta que é grande o número de mulheres que chega ao seu
consultório desconfiando da masculinidade de seus parceiros e que,
na maioria das vezes, o problema está nas próprias mulheres.
"Algumas procuram se relacionar com homens com alguma dificuldade
que impossibilite um compromisso maior, como os casados, os gays ou
os mulherengos. Muitas vezes elas caem na ilusão de que conseguirão
mudar seus parceiros, o que na maioria das vezes é muito difícil".
Rir pra não chorar
O livro reúne algumas histórias
engraçadas como a da mulher que saiu com um homem e no meio do
encontro ele disse: "linda". Toda vaidosa com o elogio, ela logo
desmontou ao ouvir o restante da frase: "Linda a sua bolsa com esse
detalhe de oncinha". Ou o drama da mulher que, no dia do falecimento
de seu pai, seu marido a abandonou revelando que mantinha um caso
secreto com o sogro falecido.
Para a cantora Danni Carlos, o problema seria facilmente solucionado
se houvesse sinceridade no relacionamento. "Só tenho preconceito
contra a inverdade, contra a mentira. Se eu namorasse um homem que
fosse homossexual e eu soubesse disso através dele, não teria
problema. Poderia ser apenas uma fase ou, então, se o amor fosse
recíproco, não haveria problema. Mas não pode haver mentira. Se a
pessoa com quem me relaciono mente sobre sua preferência sexual,
certamente vai mentir sobre tudo. Aí, sim, eu ficaria chateada. O
que eu procuro num relacionamento é a verdade", declarou.
Adriana Nunan lembra que, às vezes, o preconceito do homossexual
contra o homossexualismo é tão grande que nem ele consegue enxergar
que é gay. Embora o corpo dê sinais, ele tenta levar uma vida
heterossexual, casando-se e tendo filhos. Em outros casos, a escolha
é consciente, movida pela vontade de ter uma família tradicional,
por uma posição política ou social elevada ou por medo de perder
bens. "O meu conselho é que a mulher investigue se achar que há
alguma coisa diferente no relacionamento e nunca ignore o problema",
recomenda a especialista.
O músico belga Michel Tasky veio
morar no Rio de Janeiro depois de se apaixonar pelo samba.
Homossexual assumido e, atualmente, sambista, Michel conta
que seu maior problema foi assumir para a família. "Meu pai era
homofóbico, mas mudou radicalmente quando eu contei a verdade para
ele. Começou a ler sobre o assunto, a se informar mais. Sua
aceitação foi rápida, o que me surpreendeu. Anos depois me contou
que, durante a Segunda Guerra, ele ficou num abrigo da juventude
operária cristã na Bélgica e lá foi molestado sexualmente por um
padre. Por isso toda aquela postura homofóbica".
Michel chegou a ter duas namoradas na juventude, mas os
relacionamentos não duraram muito tempo. "Eu tinha uns 20 anos, por
aí. Uma delas praticamente me estuprou, invadiu o meu quarto na
faculdade e me atirou na cama! Com a outra foi um pouco mais sério,
mas durou muito pouco tempo. Falei a verdade para elas alguns anos
depois. Uma delas hoje já tem cinco filhos, veja do que eu me
livrei", brinca.
Como identificar se o seu parceiro é gay?
Para Tasky é mais difícil apontar os
enrustidos no Brasil do
que no resto do mundo, por causa do grande preconceito que há na
sociedade. "Uma grande parte dos homossexuais faz questão de coçar o
saco e cuspir grosso para disfarçar sua preferência e evitar o
preconceito. Outros não se identificam como homossexuais por serem
ativos, e esses são muitos. É o cara que na escola, no quartel ou na
casa dos amigos, mantinha relações sexuais com homens sendo o ativo
da situação. Isso é uma grande bobagem. Ativos ou passivos, são
todos homossexuais".
Segundo ele, o bissexualismo também é um fenômeno bastante presente
no Brasil, ao contrário de outros países onde a sociedade exige que
você seja uma coisa ou outra.
Com bom humor e profissionalismo, as autoras dão dicas de como
identificar traços de homossexualismo nos pares ou pretendentes. "Se
ele demonstra vaidade excessiva,
viaja para fazer compras, é fissurado em grifes, está sempre cercado
de belas mulheres sem namorar nenhuma delas, evita sexo, fala que
está se relacionando com ‘uma pessoa' ou tem namoradas fictícias que
vivem em outro continente, você pode contar que esse príncipe é uma
Cinderela", advertem.
Já Michel se diverte quando o assunto é identificar um homossexual
enrustido. "Se ele gostar de Bethânia e Gal simultaneamente, você já
tem que ter muito cuidado", alerta.